Crítica literária da música de Mente Luz e Sister Afrika. por Filipe Angelina

" Crítica literária da música de Mente Luz e Sister Afrika.
por Filipe Angelina

Nós Sociedade e os Valores Perdidos" ou "Lufares de Novas Brisas da Poesia Cantada"

A hiper-música "A Sociedade e os Valores Perdidos" dos jovens rappers ML e SA é, por excelência, um marco axiológico de capital importância no Moçambique contemporâneo. Primeiro,
devido à criatividade dialógica em que o conteúdo é apresentado, valor este acrescido quando consideramos que as rimas não deixaram de apadrinhar o casamento de  versos ali formados, ou como quem tecnicamente o preferir expressar, versos repados. Segundo,
a linguagem informal e corrente que não se faz indiferente ao objectivo proeminente da música, que é, às claras, influenciar o seu potencial ouvinte, neste caso vertente, o público jovem, sem excluir, obviamente, outros níveis etários. A  presente análise sucinta carrega este par de motivações.
Mesmo uma observação superficial da letra da música não pode deixar de notar, ao longo dela, quatro características principais:

I. TERMOS DE FAMILIARIZAÇÃO

Expressoes como "what's up", "estou fish", "ando busy", "my nigger", "big up", "bazar" e "ferar" fazem com que o mais humilde dos ouvintes se sinta exclusivo destinatário da mensagem. Este aspecto inclusivo é um fenômeno conscientemente criado pelos autores e configuram-se-nos como uma retórica popular que, no dilúvio da incompetência linguística em lusofonia a que muitos dos nossos conterrâneos estão votados, serve-se da arca da salvação para uma compreensão do tema retratado que é, outrossim, deveras crucial.

II. QUESTÕES DE GÉNERO

A figura de linguagem, usada na música, em que se visa ter "mais noémias" (mulheres) no movimento hip-hop, tem triplo sentido: (a) deseja-se que mais mulheres escrevam e cantem rap, (b) esse desejo só será plenamente satisfeito se as tais novas convertidas à congregação hiphop, tiverem um estro poético e, diga-se, também uma mensagem geradora de espírito positivamente subversivo a título da poetisa revolucionária Noémia De Sousa (indirectamente citada na música), por último, mas não menos importante, (3) isto nos leva a pensar e a nos indagarmos 'o que hodiernamente se faz na literatura moçambicana para que os escritores desta geração sejam uma referência amanhã?

III. DEFESA DOS VALORES MORAIS

A ideologia contra o hedonismo (doutrina, ou atitude, que coloca o prazer como o valor supremo da vida) e contra o arrivismo (uso de qualquer meio para alcançar um fim) coloca-se à defesa do bem comum, e porque "tá-se mal" - como diz a Sister, e "importamo-nos com coisas não importantes" nas palavras do Mente, é urgente resgatarmos a mais reluzente pérola social, isto é, os bons princípios de vida por uma sociedade moralmente bem orientada.

IV. EXEMPLOS PRÁTICOS DE INCENTIVO AO  COMPORTAMENTO POSITIVO

Aqui é reavivado o adágio que advoga que 'o que se diz informa, o que se faz transforma', por isso não deixam de fazer parte da música, exemplos práticos. Mente na primeira pessoa mostra o quão é às vezes importante ignorar algumas desilusões do passado, erguer a cabeça - como diz o povo - e seguir adiante; Sister Afrika ao dizer que "quer ferar" (dormir) mostra que não é conveniente ser-se noctívago, para além de nos dar uma lição de biologia que ilustra a importância do sono para o reequilíbrio físico e psíquico. Também se fala, inda que de passagem, da actual  crise político-económica, nos catequizando sobre a importância de andarmos informados sobre o nosso país e o mundo afora.

Conclusão

Neste pequeno estudo desta grande obra musical, não nos preocupamos com os demais aspectos artísticos, a não ser com a parte da letra, posto que nosso objectivo foi tão-somente dar uma visão panorâmica do que se diz. A qualidade da música e ou a beleza do beat (instrumental), que não são subestimados, parecem na verdade alvos de valoração. Em curtas palavras, nosso foco foi o juízo de facto (descrição) e não o juízo de valor (aspectos sonoros).
Ao ponto:
Como um ar assumidamente entusiástico, seria deficiente a nossa análise se não asseverasse, neste posfácio, que ouvir "A Sociedade e os Valores Perdidos" é ter aberta uma enciclopédia auditiva que faz passear pelo jardim do conhecimento, onde se podem ver flores Éticas, rosas Antropológicas e cravos Poéticos. Quem lança os olhos à paisagem temática aqui retratada, começa a ter um ideal de perfeição lírica. Quem se aventurar a entrar no jardim sairá, não somente com os ouvidos sácios de ouvir saberes, mas com a mente cheia de vozes que, na sala de aconselhamento do palácio consciência, apelam sem cessar: olhe para ti e mude de atitude!